FORMULA SUPER-VÊ:
INÍCIO DE
VERDADEIRO PROFISSIONALISMO NO AUTOMOBILISMO
BRASILEIRO
Por
Carlos de Paula
Até a ida de Emerson Fittipaldi
para a Europa, o automobilismo brasileiro poderia ser categorizado, na
melhor das hipóteses, de semi-profissional. Os campeonatos eram confusos:
calendários que não eram cumpridos, corridas canceladas ou adicionadas de
última hora, um sem número de categorias dentro de uma única corrida. Era
frequente ver, nas corridas brasileiras, uma grande mistura de carros. Nos
500 km de Interlagos de 1965, por exemplo,
correram GTs europeus, GTs brasileiros, carros de turismo,
mecânica-continental, turismo de carretera e F-3! Ou seja,
monopostos grandes e pequenos com bipostos, carros de passeio, e carros de
50 a 450 HP, verdadeira confusão.
A reinauguração de Interlagos, com um
padrão mais próximo de autódromo de qualidade internacional, a realização
de torneios internacionais e a disseminação do patrocínio comercial, sem
dúvida contribuíram para a evolução do automobilismo nos anos 70. As
fábricas, entretanto, ficavam às margens do automobilismo. Apesar de algum
apoio da Ford, a Fórmula-Ford realmente
trilhou seu caminho sem grande auxílio da fábrica. E foi assim que a VW, que começava a expandir a
sua linha de produtos, saindo do eixo Fusca/Kombi, decidiu
investir no automobilismo.
A categoria escolhida foi a Fórmula Super-Vê, que fazia
sucesso na Europa e nos Estados Unidos. Os carros usariam motores VW 1600,
devendo ser fabricados no Brasil. A decisão de lançar a categoria foi
tomada em 1973, e o campeonato deveria começar já em 1974.
O início de 1974 não foi bom para o automoblismo brasileiro. A
crise do petróleo afetou o país fortemente, e o automobilismo sofreu
muito. Fora as corridas de Campeonato Paulista de Divisão 1, 3 e 4, e algumas provas
de longa duração do campeonato brasileiro, os outros campeonatos começaram
quase no segundo semestre. A Super-Vê, como estreante, pelo menos tinha a
desculpa da novidade.
Eventualmente o campeonato foi iniciado em Goiânia, e apesar do
pequeno número de carros, prometeu muito. Alinharam carros Kaimann
(fabricados sob licença da empresa austríaca), Polar e o Newcar. O belo Polar, com chassis
monocoque, era fabricado por Ricardo Achcar e Ronald
Rossi, dois ex-pilotos com experiência internacional. O feio Newcar era
baseado num chassis de Bino Fórmula Ford,
fabricado por Newton Pereira. Entre os pilotos, nomes consagrados como Francisco Lameirão, Ingo Hoffman, Eduardo Celidônio, e um
garoto novo de Brasília, com o engraçado sobrenome Piket.
Nos primeiros dois anos, a maioria das corridas de Super-Vê
tinha uma configuração incomum no automobilismo brasileiro, usada algumas
vezes na Formula Vê.
Corridas de três baterias, invés de duas baterias frequentemente
usadas em outras categorias. Ingo Hoffman ganhou a primeira corrida,
ganhando duas baterias, contra uma de Chico Lameirão.
Na segunda etapa, em Brasília, Lameirão
virou a mesa, embora Ingo tivesse ganho duas baterias e levado a pole,
como na corrida anterior. Lameirão assumiu o comando do campeonato.
Na terceira corrida, em Interlagos, já havia um número maior
de carros, inclusive marcas novas, Heve, do Rio de Janeiro, Manta, do
Paraná e Mueller, do Rio Grande do Sul. E foi um estreante que ganhou a
corrida na geral, Marcos
Troncon, que levou uma bateria, com Lameirão chegando em segundo. No
meio do campeonato, que tinha seis etapas, Lameirão liderava com 19 pontos.
Mal sabia que os pontos marcados em Interlagos seriam os últimos do ano.
Ingo Hoffman ganhou a corrida de Tarumã, aproximando-se de
Lameirão, e Nelson Piquet, que demonstrava bastante velocidade desde o
princípio da temporada, confirmou o seu talento, ganhando em Cascável.
Chiquinho Lameirão com o
Polar da Motoradio em 1974
A última corrida da temporada foi em Interlagos. A essa
altura as corridas de Super-Vê já estavam atraindo bom público, pois a VW
gastou um bom dinheiro promovendo a categoria nessa fase inicial. Os
favoritos para ganhar o título eram Lameirão, com 19 pontos, Ingo, com 18,
e Piket com 16. O piloto com menos condições de ganhar o título era
Troncon, com 11 pontos. E foi justamente Troncon que levou o caneco,
ganhando a corrida, sem levar nenhuma bateria. Vitórias: Troncon (2), Ingo
(2), Lameirão (1) e Piket (1). Logo no primeiro ano, a Super Vê
ultrapassava a Fórmula Ford
em interesse, estatura e até mesmo em número de provas.
O campeonato de 1975 começou em
Interlagos, com casa cheia. Nesse ano haveria um campeonato paulista, além
do Brasileiro, e Chico Lameirão demonstrou que não queria perder dessa
vez. Ingo Hoffman tinha ido à Europa, para correr de F-3, mas em compensação, José Pedro
Chateaubriand voltou da Europa para correr de Super Vê. Mais uma marca
estreava: Avallone. E apesar de largar mal nas baterias, com primeira
curta, Lameirão ganhou a corrida. Na segunda etapa do Paulista, Lameirão
repetiu sua performance, dando a impressão de que bateria seus
concorrentes sem problema.
Eventualmente, estabeleceu-se um padrão. Nelson Piquet (já com o
nome trocado), geralmente saía liderando as corridas, com o Polar
preparado por Giba. Acabava abandonando, e as vitórias eram
disputadas entre Lameirão, Alfredo Guaraná e Chateaubriand. Pela primeira
vez, transmitiram-se provas de um campeonato brasileiro de automobilismo
na TV, e as principais estrelas da categoria começavam a ganhar certa
popularidade, até então desconhecida dos pilotos locais. Os grids ficavam
cada vez maiores passando de trinta carros, e mais pilotos famosos aderiam
à categoria, como Teleco, Tite Catapani e Norman Casari. Na última
etapa, em Interlagos, novamente Lameirão estava na frente da tabela,
embora tivesse se classificado mal nos treinos. Quarenta e um carros na
pista. Mas com três baterias para correr, Chiquinho ainda teria boas
chances de bater seus opositores. Acabou chegando em terceiro e ganhando o
campeonato, mas veterano
Eduardo Celidônio acabou sendo o bicho papão do final do campeonato.
Vitórias: Lameirão (2), Celidônio (2), Guaraná (1), Chateaubriand (1).
1976 começou bem, embora a notável ausência de carros Kaimann. A grande
maioria dos monopostos era Polar, e a categoria já não era mais chamada
Super-vê: agora era Fórmula VW 1600, e a Fórmula Vê, Fórmula VW 1300. Logo
na primeira etapa, Piquet mostrou que seria difícil batê-lo, e novos nomes
despontavam, inclusive Fernando Jorge, com um carro azul sem patrocinador.
No final do ano, Piquet havia ganho 6 das 10 corridas, e o resto foi
dividido entre Guaraná, Lameirão, Fernando Jorge e Troncon.
Chulam, Piquet e Guarana
em 1976
Em 1977, a fase de ouro da Super-Vê já tinha passado. Não
houve renovação de carros, e os grids eram quase completamente formados de
Polar. As estrelas dos primeiros anos ou tinham ido correr no exterior,
como foi o caso de Piquet, Ingo e Fernando Jorge, ou estavam em declínio,
como Lameirão, ou tinham se aposentado, como Celidônio. Ainda assim
restavam Guaraná, Chulam, Troncon e
Chateaubriand, que disputaram entre si o campeonato. Guaraná despontou
como o novo rei da Super-Vê, e de fato, foi o único a ser bi-campeão,
ganhando os títulos de 1977 e 1978.
Os últimos anos da Super-Vê deram continuidade ao padrão
iniciado em 1977. A falta de estrelas foi agravada pela criação da Stock-Cars, com
forte promoção da GM, que logo se tornou a categoria de elite do
automobilismo brasileiro. Houve falta de renovação dos monopostos, de
forma que nos últimos dois anos da categoria, algumas corridas chegaram a
ter só 14 carros na largada - que diferença dos grids de até 40 carros de 1975. Os novos
pilotos de ponta, entre eles Ronaldo Ely, Vital Machado, etc., não eram
tão conhecidos como os pilotos que fizeram da primeira fase da Super-Vê um
sucesso de público. Maurício Chulam ganhou o campeonato de 1979, com a carro da
Equipe Brahma, aposentou-se, e deixou o caminho aberto para Antonio Castro Prado
ganhar o certame de 1980. A VW retirou seu apoio, e o pouco que restou da
agonizante F-Super Vê deu início à Fórmula 2 Brasil.
Outra foto de Polar da Hollywood.
Piloto Mauricio Chulam Neto
Apesar de vida relativamente curta, o legado da Fórmula Super Vê
foi importante. Pela primeira vez corridas locais foram transmitidas na
TV, um número grande de patrocinadores importantes passou a investir no
automobilismo, e o nível de profissionalismo das equipes aumentou
bastante.
Copyright © 2003 Carlos de Paula
|