4. Fórmula Vê - Primeira Geração

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  FORMULA VÊ - PRIMEIRA GERAÇÃO

Por Carlos de Paula

Colaboração: Ricardo Cunha

Houveram diversas tentativas de se formar categorias de monopostos duradouras no Brasil, nos primórdios do nosso automobilismo. A Mecânica Continental e Mecânica Nacional foram as duas primeiras tentativas, mas em meados dos anos 60 os carros já eram muito antiquados, sem condições de continuar a disputar corridas. A Fórmula Junior tinha tudo para dar certo, mas por uma série de circunstâncias, falhou. Luis Antonio Grecco, da Willys, sonhava com uma Formula Renault brasileira, que faria parte de uma Fórmula 3 sul-americana. De fato, uns bons 20 anos antes de a América do Sul abraçar a F-3 internacional, houve um certo movimento em fazer dessa uma categoria de integração do automobilismo regional, entre outros, promovido por Juan Manuel Fangio. Não deu em nada. A Willys produziu o Gávea, que chegou a correr na Temporada Argentina de 1966, e argentinos e uruguaios também produziram seus monopostos. No caso específico do Brasil, a Willys estava em fase de transição em 1966: logo seria encampada pela Ford, que por razões óbvias não tinha nenhuma razão para promover uma Fórmula Renault, nem tampouco interessou-se pela F-3. O Brasil parecia fadado a continuar sem uma categoria de monopostos, embora houvesse uma saída óbvia: a Fórmula Vê.

Categoria criada nos EUA no início da década de 60, a Fórmula Vê logo se expandiu por diversos países, por ser barata, simples, e proporcionar bons espetáculos, embora vagarosa. No caso do Brasil, a categoria parecia uma solução óbvia, pois a VW era a principal fabricante de automóveis no País, sendo que o Fusca correspondia a mais de 50% das vendas de veículos automotores brasileiros. O grande fator contra a implementação da categoria no Brasil era o notório desdém da VW às corridas. Embora os fuscas já fossem usados em corridas, geralmente eram os últimos colocados das provas. A VW chegou ao cúmulo de veicular um anúncio na Revista Auto Esporte dizendo, taxativamente, que o VW não era carro de corridas, mas era o carro que os pilotos usavam nas ruas. De fato, a montadora havia sido a única fabricante de carros a não participar das corridas com equipe de fábrica no começo da década. Até a estatal FNM teve sua equipe de fábrica, nos idos de 60 a 62.

Apesar de tudo, o preparo de motores VW no Brasil já caminhava num ritmo razoável em 1966, e com muito apoio da revista Auto Esporte, a partir de 1965, finalmente anunciou-se o início da categoria em 1967. Já no final de 1966, aparecia o primeiro Vê, o Aranae de Alexandre Guimarães. Apesar do entusiasmado apoio da revista, a VW deu um apoio muito restrito, em grande parte traduzido em patrocínio de concessionárias para as equipes. Os pequenos monopostos chegaram às pistas apesar dessas dificuldades, e no quesito pilotos, a categoria era extremamente forte. Entre outros, Emerson e Wilson Fittipaldi, Jose Carlos Pace, Pedro Victor de Lamare, Marivaldo Fernandes, Ricardo Achcar, Bob Sharp, Norman Casari, Francisco Lameirão, Antonio Carlos Avallone, Rafaele Rosito, Totó Porto, além de diversos estreantes. Alguns fabricantes estavam prontos para o início da temporada. Os irmãos Fittipaldi lançaram seu primeiro Formula, o Fitti-Vê, além do Aranae, do Jajá e do Spadaccini. Diversos outros fabricantes foram anunciados, entre outros, o fabricante de jipes Gurgel, e Chico Landi, que já fora responsável pela Formula Junior.

Equipados com motor VW 1200, os pequenos monopostos eram ágeis, pois eram leves, e as disputas eram geralmente acirradas. Desde o princípio a Fórmula Vê se configurou em uma categoria mais carioca do que paulista, e nos dois curtos anos de sua vida, ocorreram mais disputas da categoria no Rio, do que em São Paulo. Organizou-se um campeonato nacional de F-Vê em 1967, mas infelizmente diversas das etapas não ocorreram. Entre outras, o bem intencionado calendário previa uma corrida em Blumenau, Santa Catarina, em novembro, além de provas em Curitiba, Belo Horizonte e Porto Alegre. Acabaram ocorrendo etapas somente nos autódromos de Interlagos e do Rio de Janeiro, além de uma prova do campeonato carioca em Niteroi. Os cariocas organizaram um torneio regional já no primeiro ano, no qual se destacaram pilotos como Henrique Fracalanza, Jose Maria Giu Ferreira, Celso Garbassi, Mauricio Chulam, Newton Alves, Oscar Nolasco, além dos supracitados Casari e Achcar.

No primeiro ano da Fórmula Vê, Emerson Fittipaldi sobressaiu-se como o principal expoente da categoria, ganhando a primeira prova, realizada no Rio de Janeiro, e outras duas etapas no Rio. Curiosamente, apesar de paulista e exímio conhecedor de Interlagos, Emerson não ganhou provas no autódromo paulista. Marivaldo Fernandes ganhou a primeira corrida da categoria realizada em São Paulo, e o vencedor daquela que se tornaria a principal corrida da história da categoria foi uma relativa zebra: Totó Porto, com ajuda de Buby Loureiro, ganharam os 500 km de Interlagos de 1967.

Tradicional prova do calendário brasileiro, durante muitos anos os 500 km foram a Indy 500 brasileira. Disputada no anel externo de Interlagos, com ex carros de fórmula 1 equipados com motores V8 americanos, os 500 km eram palcos de médias altas e sérios acidentes. Obviamente, o propósito de realizar os 500 km com F-Vê visava prestigiar a categoria de monopostos brasileira, mas sem dúvida, desprestigiou o evento. Os Vê se demonstraram relativamente vagarosos, e a melhor volta, em 1m28s, teve a baixa média horária de 133 km/h. Ainda assim, a nata do automobilismo paulista participou da prova: Emerson, Wilsinho, Pace, Jaime Silva, Toco, Maneco Combacau, Marinho, Cacaio, Carol Figueiredo, Celidônio, Lameirão, De Lamare, Marivaldo e Avallone. Entretanto, só três cariocas participaram: Milton Amaral, Ailton Varanda e Ricardo Achcar. Diversos pilotos lideraram: o pole Cacaio liderou no início, Combacau no meio da corrida, mas lá pela volta 80, Totó Porto consolidou-se na liderança permanentemente. A vitória foi significativa não só para Porto e Loureiro, mas também foi a primeira da Aranae.

De fato, o Fitti-Vê havia ganho as cinco primeiras corridas da categoria. A prova inaugural ocorreu em 14 de maio, no Rio de Janeiro, e foi ganha por Emerson, seguido de Marivaldo, Pace e Achcar. Geralmente as provas consistiam de três baterias, com a soma dos tempos determinando o resultado geral. Duas semanas depois ocorreu a primeira prova do campeonato carioca, ganha por Norman Casari, seguido de Achcar e Bob Sharp. A segunda etapa do Brasileiro ocorreu no Rio, e Emerson ganhou de novo, seguido de Marivaldo, Pace e Henrique Fracalanza. A prova de Interlagos, ocorreu em 13 de agosto, e teve como vencedor Marivaldo, seguido de Emerson, Pace e Wilsinho.

Realizou-se uma prova extra-campeonato na semana seguinte, no Rio, devidamente papada por Emerson, desta vez seguido de Fracalanza e Pedro Victor de Lamare. O grid nessa prova já contava com 18 carros, 5 Fitti, 10 Aranae e 3 Jajá. Em 10 de setembro realizaram-se os 500 km de Interlagos, vencidos por Totó Porto e Buby Loureiro. A prova já foi discutida acima.

Houve outra prova extra campeonato no Rio de Janeiro, em 8 de outubro. Esta foi ganha por Pace, seguido de Emerson, Maneco Combacau e DeLamare. O melhor carioca foi Fracalanza. Curiosamente, estas provas extra-campeonato contavam com bastante participantes, às vezes mais do que as do campeonato nacional. A rara prova de Niterói ocorreu uma semana depois, e foi ganha por Ricardo Achcar, seguido de Sergio Carvalho e Bob Sharp. A partir desta prova os Aranae trocaram de nome, passando a ser denominados Sprint. Em 10 de dezembro ocorreu a última prova do Campeonato Carioca, vencida pelo bom Henrique Fracalanza, seguido de Achcar e Newton Alves. Duas marcas estrearam na prova: Reinel e Rio.

A final do campeonato ocorreu no Rio de Janeiro. 24 carros alinharam, de longe o maior grid da categoria. A prova foi ganha por Emerson, novamente seguido de Marivaldo e Pace, com Lian Duarte em quarto. O melhor carioca foi Norman Casari, que chegou em 8o. lugar. Entretanto, nem tudo era flores na Vê. Um acidente na segunda bateria envolveu cinco carros e Ricardo Moretti faleceu devido aos ferimentos. A novidade entre os pilotos era a participação de Walter Hahn, que ficou famoso por ganhar corridas com o Brasinca.

Assim, Emerson Fittipaldi se tornou o primeiro campeão brasileiro de Fórmula Vê, demonstrando ser um piloto tão bom em monopostos como em GTs. O ano foi fechado com uma saideira no Rio, no dia 17 de dezembro, ganha por Ricardo Achcar, seguido de Dante Fracalanza, ambos com Sprint

A VW prometeu apoiar a categoria em 1968, mas o suporte não veio. Para piorar as coisas, o autódromo de Interlagos fora fechado para reformas naquele ano, de forma que o campeonato, que de fato foi mais carioca do que paulista no ano anterior, se tornaria completamente carioca. Apesar de duas raras provas em Campinas e Salvador, todas as outras provas da Vê, naquele ano, foram de fato realizadas no Rio. A prova de Campinas abriu o calendário do ano, e foi ganha por Emerson, seguido de Lian Duarte, Pace e Wilsinho. Três novas marcas apareceram já nesta corrida: o Feirense, o Amato e o AC. O Sprint trocara de nome novamente: agora era BRV!!! Chiquinho Lameirão estreou o AC-Vê, construído por Anísio Campos, nessa corrida, chegando em 9o.

Em 10 de março realizou-se uma prova extra-campeonato no Rio de Janeiro, que foi ganha por Milton Amaral, com um BRV. Representando os paulistas, Antonio Carlos Avallone não fez feio, chegando em 2o., seguido de Palhares.

A mencionada prova de Salvador foi extracampeonato, e basicamente, correram pilotos cariocas. Heitor Peixoto de Castro obteve a sua única vitória na categoria, com um BRV, seguido de Casari e Miltinho.

Outra prova extracampeonato ocorrera em 7 de abril, no Rio novamente. Desta feita, Achcar conseguiu sair vencedor, seguido de Giu Ferreira e Fracalanza. Curiosamente, realizavam-se provas, mas nenhuma fazia parte de campeonato. 

O Campeonato Carioca acabou contando com mais etapas do que o fraco Nacional. A primeira etapa ocorreu já quase na metade do ano, em 26 de maio, e foi vencida por Fracalanza, seguido de Heitor Peixoto de Castro, com um BRV, Newton Alves com o Ciai, e Sidney Cardoso, com outro BRV. A hegemonia do Fitti parecia ameaçada pela BRV, embora em termos numéricos fossem parelhos. A segunda etapa do Carioca ocorreu em 16 de junho, e contou com a vitória de Newton Alves, com o Ciai-Vê. De paulista, somente Avallone, que chegara em 5o. Lugar.

O famigerado campeonato brasileiro se deu início somente em 18 de agosto, no Rio. Pelo menos, diversos paulistas prestigiaram este evento, inclusive Pace, Marivaldo, Emerson e Lian Duarte. Pace obteve a sua segunda vitória nos monopostos, dirigindo um Fitti-Vê, seguido de Achcar, Marivaldo e Emerson. Nas mãos de Milton Amaral estreara o Cross Vê.

A terceira etapa do Carioca ocorreu em 15 de setembro, e foi ganha novamente com Newton Alves, no Ciai, seguido do excelente Milton, com o Cross, e Norman Casari com um BRV. Duas semanas depois, Giu Ferreira ganhou a quarta etapa do carioca, seguido de Cardassi, com um Rio-Vê e Newton Alves.

Mais uma prova extracampeonato fora realizada no Rio, em 27 de outubro, ganha por Achcar, seguido de Giu e Nolasco. A última etapa do Carioca foi realizada em 10 de novembro, e foi ganha por Giu Ferreira, seguido de Isaias Barbosa e Casari. Giu acabou campeão carioca, e também ganhou a segunda e última etapa do Brasileiro, realizada no Rio. Giu foi seguido de Casari e Achcar, este último tornando-se campeão do esquisito campeonato de duas provas.

Se por um lado o saldo desse segundo ano foi negativo, por outro, a categoria revelava novos nomes, e por bem, por mal, realizavam-se provas. Por que todas não eram incluídas num ranking brasileiro, a posteriori, a molde do que fez a AE com as provas de longa distância em 1966, não se sabe. A verdade é que havia mais provas extra-campeonato, do que provas do torneio brasileiro, que se tornava cada vez mais carioca.

Além de revelar novos nomes, o campeão de 1968, Ricardo Achcar, se aventurara a correr na Europa, ganhando uma prova de Fórmula Ford. Isso obviamente incentivou outros pilotos a pelo menos ponderar uma mudança para o automobilismo inglês, o que de fato fez Emerson Fittipaldi, em 1969. Luis Pereira Bueno, que não correra na Vê, já que era piloto da Ford, também decidiu abandonar momentaneamente o automobilismo doméstico, assim como Achcar.

Se em 1968 ficava óbvio que a Fórmula Vê se tornara uma categoria carioca, o fato se confirmou em 1969. tanto que não houve campeonato nacional, somente um torneio carioca com cinco provas. A categoria assumiu tamanho aspecto regional que os resultados das corridas só foram publicados na revista Auto Esporte, que era editada no Rio de Janeiro, e omitidos na Quatro Rodas, de São Paulo.

A primeira prova ocorreu já no meio do ano, em 15 de junho, e foi ganha por Milton Amaral, com o Cross Vê, seguido de Cardassi com o Rio. Milton repetiu o feito na segunda e terceira etapas, realizadas, respectivamente em 27 de julho e 21 de setembro, na segunda prova seguido por Giu Ferreira e Cardassi, e na terceira, por Cardassi e Giu. Este conseguiu ganhar a quarta etapa, realizada em 25 de novembro, seguido de Antonio Santissi e Manuel Ferreira.

A última corrida, disputada dois dias depois do Natal, foi ganha por Luis Cardassi, seguido de Manuel Ferreira e Antonio Santissi. Cardassi se sagrou campeão carioca.

No começo de 1970, a Fórmula Vê já agonizava. Não se falava de torneio nacional, apoio da VW nem pensar. Os grandes nomes se foram, alguns para a Europa, e outros se firmando nas corridas de longa distância. A categoria ainda teve três chances de mostrar serviço, em três preliminares do torneio BUA de Fórmula Ford. Na primeira corrida, Luis Cardassi ganhou, com o Rio Vê, seguido de Manuel Ferreira com o Feirense. A ordem se inverteu na segunda etapa, também no Rio, em 22 de fevereiro.

Curiosamente, a morte da F-Vê se deu em Interlagos. A última corrida exclusiva da categoria se deu na final do Torneio BUA, ganha por Cardassi e seguida por Edgard Mello Filho. Nessa corrida participaram alguns carros de Fórmula Brasil, equipados com motor VW 1600, diga-se de passagem uma categoria que conseguiu ser mais mal sucedida ainda do que a Vê.

Em 15 de março foi realizado o Festival de Velocidade em Interlagos, com carros de Fórmula Ford, Vê e Brasil. Os Ford ganharam, lógico, mas Cardassi surpreendeu chegando na frente de carros de Fórmula Ford e Fórmula Brasil. O segundo na categoria foi Nelson Bastos.

O golpe final se deu no GP Taufic Scaff, também realizado com os mal fadados Formula Brasil, que ganharam a prova na geral. Manuel Ferreira teve a honra de ganhar a última corrida de Formula Vê de primeira geração.

Os carrinhos continuaram a ser aproveitados em escolas de pilotagem em São Paulo e Rio Grande Sul, durante diversos anos. A Fórmula Vê teria mais uma chance, desta vez, com farto apoio da VW, que lançara a Formula Super-Vê em 1974, e relançara a F-VW em 1975. Diversos dos carrinhos da categoria original foram aproveitados na ressuscitada categoria. Na sua segunda chance, a categoria foi muito melhor sucedida, e isto será coberto em outro artigo. Mas a VW só continuou a apoiar a categoria até 1981, e muitos dos carros acabaram na Formula Fiat.

Copyright © 2003 Carlos de Paula

  Texto de Carlos de Paula com colaboração de Ricardo Cunha

  Fonte: http://gpdrivers.com/automobilismo2.html , com autorização de Carlos de Paula

 


   

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